O crime de gestão fraudulenta, segundo o entendimento do STJ

O crime de gestão fraudulenta – previsto no artigo 4º, da lei 7.492/86 – tem como objeto jurídico tutelado a credibilidade pública do sistema financeiro nacional, e é caracterizado pela má-fé praticada por aquele que detém poder de gerir negócios jurídicos dentro de uma instituição financeira.

O crime de gestão fraudulenta está previsto no artigo 4º, da lei  7.492/86, com pena de reclusão de 3 a 12 anos, e multa, e tem como objeto jurídico tutelado a credibilidade pública do sistema financeiro nacional. Em linhas gerais, a referida Lei objetiva repelir lesão ou ameaça de lesão contra o sistema financeiro nacional, e a sua configuração está vinculada à má-fé praticada por aquele que detém poder de gerir negócios jurídicos dentro de uma instituição financeira.    

“A má-fé, nesse contexto, é elemento essencial para a configuração da fraude.

(HC n. 285.587/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/3/2016, DJe de 28/3/2016.)”

Portanto, para a caracterização do delito em análise, presume-se que o gestor agiu com vontade de enganar ou iludir o sistema financeiro nacional, produzindo expedientes ardilosos, com o objetivo de obter vantagem indevida:

“A conduta típica está caracterizada no fato de o autor do crime, que é quem detém a função de comando, controle ou de direção de instituição financeira, ter, supostamente, procedido a uma série de empréstimos irregulares, de forma reiterada e habitual, contando com a participação de diversas pessoas, dentre elas o paciente, para prestarem falsas garantias, ocasionando prejuízo à instituição financeira.

(HC n. 39.908/PR, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 6/12/2005, DJ de 3/4/2006, p. 373.)

Importante destacar que o mero descumprimento de normas internas da instituição financeira não caracteriza esse tipo penal, pois a configuração do delito exige a comprovação de que o ato contrário às normas de conduta foi praticado por aquele que possui poderes legais para gerir negócios jurídicos dentro da instituição financeira:

“O descumprimento de normas internas da agência bancária, relativas à empréstimos e financiamentos, não legitima a acusação de gerente pelo delito de gestão fraudulenta se os atos não chegaram a compreender o núcleo contido no verbo “gerir”, pelo qual se tem real comprometimento da administração da instituição.

(REsp n. 897.864/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 4/11/2010, DJe de 29/11/2010.)”

Assim, a infração em análise pressupõe que o gestor esteja vinculado a uma instituição financeira legalmente autorizada pelo Banco Central do Brasil a funcionar no território nacional, pois aquele que opera, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, pratica o crime previsto no artigo 16, da lei 7.492/86, que, aliás, tem pena inferior ao crime de gestão fraudulenta:  

“Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:  

Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Nesse sentido, não existe impedimento legal para que a acusação seja dirigida ao gerente de uma agência bancária com poderes reais de gestão:

“A jurisprudência desta Corte entende que, se o gerente de uma agência bancária detiver poderes reais de gestão, é-lhe possível a imputação do crime previsto no art. 4º da Lei n. 7.492/86. No caso, há indícios de que o recorrente detinha poderes de gestão na instituição financeira, pois foi apontado que era responsável pela aprovação de propostas de concessão de crédito, além de possuir autorização para manipulação de operações de crédito, como desembolso e liquidação de operações de crédito.

(RHC n. 147.307/PE, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 1/4/2022.) 

Sendo assim, apesar de ser considerado um crime conceitualmente conhecido como de mão própria, de conduta pessoal ou de atuação infungível, nos termos do artigo 29, do Código Penal é possível atribuir a autoria dessa infração àquele que formalmente não detém poder de gestão, mas que contribuiu para a prática delitiva:

“A autoria do delito de gestão fraudulenta (art. 4º da Lei n. 7.492/86) pode ser reconhecida para aqueles que não ostentem a condição do art. 25 da Lei n. 7.492/86 quando os referidos atos ilícitos são praticados por administradores de fato da instituição financeira, em razão do disposto nos artigos 29 e 30 do CP.

(AgRg no AREsp n. 1.140.011/MT, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 7/2/2019, DJe de 19/2/2019.)”

Trata-se de crime formal, que não exige resultado naturalístico ou efetivo prejuízo para a sua caracterização, cuja consumação, em regra, estará baseada em decisão proferida por autoridade administrativa vinculada ao Ministério da Fazenda:  

“O tipo penal do art. 4° da Lei 7.492/86 é crime formal consumando-se mediante a comprovação da gestão fraudulenta, independentemente da efetiva lesão ao patrimônio de instituição financeira ou prejuízo dos investidores, poupadores ou assemelhados” AgRg no AREsp 926.372/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 2/2/2017).

(AgRg no REsp n. 1.877.651/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021.)

No entanto, o prejuízo causado à instituição financeira poderá ensejar no aumento do quantum estabelecido à pena-base do infrator. Isto é, quanto maior o prejuízo causado à coletividade, maior será a pena-base atribuída ao condenado:

“Da leitura do artigo 4º, da Lei nº 7.492/86, depreende-se que o prejuízo causado pela gestão fraudulenta não integra o seu tipo penal, ademais, “tendo o réu sido condenado pela prática de crime formal, verificado o seu exaurimento pela ocorrência do resultado, tal fato pode ser utilizado como fundamento idôneo para exasperar a pena-base na apreciação das conseqüências do delito” (HC 41.466/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2005, DJ 10/10/2005, p. 402).

(EDcl no REsp n. 975.243/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 3/3/2011, DJe de 28/3/2011.)” 

Apesar da divergência de entendimentos sobre a classificação do crime de gestão fraudulenta, somos adeptos à corrente minoritária de que a habitualidade é pressuposto da conduta ilícita, sendo atípica a conduta lastreada em ato isolado no tempo:  

“Além disso exige para a sua consumação a existência de habitualidade, ou seja, de uma sequência de atos, na direção da instituição financeira, perpetrados com dolo, visando a obtenção de vantagem indevida em prejuízo da pessoa jurídica.

A descrição de um só ato, isolado no tempo, não legitima denúncia pelo delito de gestão fraudulenta, como ocorre na espécie, onde o ora paciente está imbricado como mero partícipe, estranho aos quadros da instituição financeira, por ter efetivado uma operação na bolsa de valores, em mesa de corretora.

(HC n. 101.381/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/9/2011, DJe de 13/10/2011.)”

Por fim, se a denúncia é baseada em decisão de primeira instância punitiva, que foi cassada por instância recursal administrativa, que deliberou pela legalidade do ato do gestor da instituição financeira e o inocentou da acusação inicialmente proposta, não há como negar que a decisão administrativa absolutória vincula a acusação criminal por crime contra o sistema financeiro nacional:

“Desnecessário o exame aprofundado de provas, no caso concreto, bastando cotejar os fatos que deram suporte à denúncia (fundada exclusivamente em representação do Banco Central) com aqueles mencionados no acórdão do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, que inocentou o paciente da acusação de gestão temerária, determinando o arquivamento da representação, restando evidente a correspondência entre eles.

No Estado Democrático de Direito, o devido (justo) processo legal impõe a temperança do princípio da independência das esferas administrativa e penal, vedando-se ao julgador a faculdade discricionária de, abstraindo as conclusões dos órgãos fiscalizadores estatais sobre a inexistência de fato definido como ilícito, por ausência de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade, alcançar penalmente o cidadão com a aplicação de sanção limitadora de sua liberdade de ir e vir.

(HC n. 77.228/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 13/11/2007, DJ de 7/2/2008, p. 343.)”


(AgRg no AREsp n. 486.689/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe de 2/8/2019.)

(AgRg no REsp n. 1.877.651/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021.)

(AgRg no REsp n. 1.820.289/PE, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 19/12/2019.)

(RHC n. 147.307/PE, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 1/4/2022.)

(AgRg no AREsp n. 1.140.011/MT, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 7/2/2019, DJe de 19/2/2019.)

(RHC n. 98.056/CE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 4/6/2019, DJe de 21/6/2019.)

(RHC n. 64.045/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2017, DJe de 23/8/2017.)

(HC n. 351.960/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/6/2017, DJe de 26/6/2017.)

(HC n. 285.587/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/3/2016, DJe de 28/3/2016.)

(HC n. 245.916/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 11/4/2013, DJe de 13/9/2013.)

(REsp n. 1.015.971/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 27/3/2012, DJe de 3/4/2012.)

(HC n. 101.381/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/9/2011, DJe de 13/10/2011.)

(EDcl no REsp n. 975.243/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 3/3/2011, DJe de 28/3/2011.)

(REsp n. 897.864/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 4/11/2010, DJe de 29/11/2010.)

(REsp n. 975.243/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 19/10/2010, DJe de 8/11/2010.)

(AgRg no REsp n. 510.779/MT, relator Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 23/2/2010, DJe de 15/3/2010.)

(AgRg no HC n. 31.051/RJ, relator Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 5/3/2009, DJe de 11/5/2009.)

(REsp n. 897.656/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 11/12/2008, DJe de 19/12/2008.)

(HC n. 93.479/RJ, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/10/2008, DJe de 24/11/2008.)

(HC n. 39.908/PR, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 6/12/2005, DJ de 3/4/2006, p. 373.)

(REsp n. 575.684/SP, relator Ministro Hamilton Carvalhido, relator para acórdão Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 4/10/2005, DJ de 23/4/2007, p. 317.)

(REsp n. 637.742/PR, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/9/2005, DJ de 7/11/2005, p. 344.)

(REsp n. 585.770/RS, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 7/10/2004, DJ de 16/11/2004, p. 313.)

(AgRg no HC n. 78.169/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2017, DJe de 23/2/2017.)

(HC n. 77.228/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 13/11/2007, DJ de 7/2/2008, p. 343.)