A superquebra de sigilos e a necessidade de fundamentação concreta da decisão que autoriza a interceptação telefônica

A interceptação telefônica só deve ser utilizada quando não for possível investigar por outros meios. A sua utilização desproporcional pode acarretar nulidade da prova.

A lei 9.296/96, que regulamentou a interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, por ser norma de produção probatória acessória, não poderá ser utilizada como primeiro ato de investigação, e só deverá ser utilizada para fins de prova em investigação criminal e em instrução processual penal, e dependerá de ordem do juiz competente para a ação principal.

De acordo com o art. 2º, da lei 9.296/96, não será admitida interceptação telefônica quando:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Assim, por exemplo, conforme a súmula vinculante 24, se a infração penal investigada depender de resultado naturalístico – como é o caso do crime de sonegação fiscal -, não será possível utilizar interceptação telefônica até que ocorra o lançamento definitivo do crédito tributário.

No julgamento do habeas corpus 89.023/MS, de relatoria da Ministra Jane Silva, a Sexta Turma do STJ decidiu que “não é possível a realização de interceptação telefônica, para apurar crime contra a ordem tributária, quando ainda não houve o indispensável lançamento definitivo do crédito tributário”

Em regra, a interceptação telefônica é requerida pela autoridade policial ao juízo. Trata-se de representação, onde deverá ser narrada a imprescindibilidade da medida e a inutilidade de prosseguimento da investigação por outros meios.

Isso quer dizer que não será admitida interceptação telefônica por presunção.

No caso da noticiada superquebra de sigilos, como os alvos são indeterminados, há claro desrespeito o art. 5º, da lei 9.296/96, uma vez que tanto a representação que solicita a interceptação, como a decisão que a autoriza, não podem ser fundamentadas em dados genéricos e subjetivos, sem especificar a imprescindibilidade da medida de invasão de privacidade.

Ao apreciar o RHC 119.342/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/9/22, DJe de 6/10/22, foi determinado o desentranhamento das provas colhidas por interceptação telefônica inidônea:

“A decisão que autorizou a interceptação telefônica carece de motivação idônea, porquanto não fez referência concreta aos argumentos mencionados na representação ministerial, tampouco demonstrou, ainda que sucintamente, o porquê da imprescindibilidade da medida invasiva da intimidade.”

“Também as decisões que autorizaram a prorrogação da medida não foram concretamente motivadas, haja vista que, mais uma vez, o Juiz de primeiro grau se limitou a autorizar a inclusão de outros terminais a prorrogação das diligências já em vigor e a exclusão de outras linhas telefônicas, nos moldes requeridos pelo Parquet, sem registrar, sequer, os nomes dos representados adicionados e daqueles em relação aos quais haveria continuidade das diligências, nem sequer dizer as razões pelas quais autorizava as medidas.”

No julgamento do RE com repercussão geral 625263 (Tema 661), Relator p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 17/3/22, o Supremo Tribunal Federal fixou importante tese o assunto:

“São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do art. 2º da lei 9.296/96 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”

Portanto, de acordo com as recentes decisões das Cortes Superiores, se pode concluir que:

A interceptação telefônica não pode ser utilizada como primeiro ato de investigação.
A superquebra de sigilos é ilegal, pois a decisão que autoriza a interceptação telefônica deve ser fundamentada em elementos individualizados, objetivos e concretos.
A interceptação telefônica pode ser prorrogada por tempo indeterminado, desde que seja fundamentada em elementos concretos e objetivos.